

Todos os livros do Millôr são geniais, eu sei disso. Millôr é a esperança de que, apesar de tudo, o Brasil pode dar certo. Um dia, sabe-se lá quando, mas pode. Afinal, se no meio dessa ingoranssa generalizada (ou coronelizada) aparece um Millôr, tudo é possível, até o impossível.
Essa é uma lista pessoal e intransferível do um fã que desde criança olhava aquela página dupla do cara na Veja, não entendia picas, e pensava: “Quero ser isso quando crescer!”
Infelizmente, eu não cresci.
Mas aí está a lista dos meus cinco livros millorianos favoritos.
Millôr: Obra Gráfica (Instituto Moreira Salles, 2016)
Ainda bem que existe o IMS pra tomar conta do imenso acervo do Millôr e o Cássio Loredano para organizá-lo. O livro reúne o trabalho gráfico do humorista desde a época da revista O Cruzeiro e é bacana para apreciar a riqueza do desenho, a evolução do traço e a mistura de técnicas: lápis, caneta, pincel, pena, aquarela, guache, colagem. Os desenhos iniciais têm grande influência dos cartunistas franceses e de Saul Steinberg, mas o cartunista vai ficando mais impressionista, mais pop, mais caligráfico e até meio Picasso vez ou outra. O livro não tem texto, o que é bom, porque você não se distrai e presta atenção ao rico trabalho gráfico do Millôr, que também era um excelente artista plástico.
Diário da Nova República (Volumes 1,2,3, L&PM Editores, 1985)
A Ditadura Militar caiu de podre em 1985, justamente quando Millôr ganhou um “quadrado” no antigo Jornal do Brasil. Era um espaço tradicionalmente ocupado por charges, mas o humorista fez de tudo: aforismos, cartuns, textos e até crítica literária (de “Brejal dos Guajás”, o romance regionalista do presidente José Sarney). Claro que o Pif-Paf no Cruzeiro e a coluna da Veja foram mais coloridos e criativos, mas o “Diário” apontou um caminho pro humorismo brasileiro, que estava entre o adesismo (sim, sempre teve) à Nova República e o panfletarismo (aquela eterna charge do homem-de cartola-cavalgando-o-pobre-trabalhador). Junto com o Planeta Diário e as tiras do Angeli, o “quadrado” do Millôr no JB estabeleceu o tom do humor em tempos de democracia.
Fábulas Fabulosas (Círculo do Livro, 1974)
Existem várias edições deste livro, mas por questões sentimentais, escolho a edição do Círculo do Livro, que li ainda criança lá em Cássia. Tem capa dura, ilustrações do próprio Millôr e um projeto gráfico simples, bonito e eficiente, com a ilustração e o título sempre à esquerda e o texto sempre à direita. Muita gente usou a fábula para fazer humor: Ambrose Bierce, James Thurber e Augusto Monterroso, mas Millôr era um mestre nesse gênero, com textos cáusticos, filosóficos, talvez poéticos, mas sempre engraçados. É um clássico literário.
Tempo e Contratempo (Edições O Cruzeiro, sem data)
Existem outras duas edições desse livro: uma da Beca, de 1998, e outra da Cia das Letras, de 2009. Tenho um carinho enorme pela minha edição da Beca, que é autografada, e acho a da Cia extremamente bem editada, mas fico com a original, da revista Cruzeiro. Primeiro pelo tamanho: o livro é grandão, no formato da revista, e junta o melhor da coluna “Pif-Paf”, que Millôr assinava como Vão Gogo. Já está tudo lá. Os decálogos, as composições infantis, os poemas, as ideias sempre originais e o traço minimalista, que lembra muito Saul Steinberg. Além do pôster gigante com um artista de tela em branco dormindo sob uma árvore desenhada com várias penas e canetas diferentes, que parece se mexer no papel. Se Millôr só tivesse feito esse livro, já teríamos motivos suficientes para aclamá-lo gênio.
Conpozissõis Imfãtis (Nórdica, 1975)
Meu atual livro favorito do Millôr (sim, posso mudar de ideia na semana que vem) é esse “Conpozissõis imfãtis”, que também é o livro mais fofo dele. O humorista, muitas vezes cáustico e virulento nas suas sátiras, aqui olha para o mundo com a ingenuidade de uma criança. As “conpozissõis” enxergam a vida de maneira nova, malandramente inocente e, por isso mesmo, a faz mais verdadeira e mais sentimental. Nos desenhos, Millôr também faz uma imitação do traço infantil e alcança uma qualidade insuperável. Complexidade é para quem não sabe o que dizer, difícil mesmo é ser simples. É por isso que Millôr é um gênio.
Edson Aran faz números de sapateado e é autor do best-seller "As incríveis aventuras sexuais de Jesus Cristo" (inédito).