
Guerra mundial contra a estupidez (por Robert Anton Wilson)
- 29 de março de 2020
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Guerra mundial contra a estupidez (por Robert Anton Wilson)
Tradução de Luiz Emanuelli
Robert Anton Wilson – ou RAW – é um teórico da conspiração que sabe rir de si mesmo, algo raro nesse covil de paranóicos. Seu livro “The Illuminatus Trilogy” é uma mistura de “O Guia do Mochileiro das Galáxias” com “Alienígenas do Passado” e você nunca sabe ao certo onde termina a piada e começa a parte séria. Obscuro, mas cultuado por uma legião de fãs devotos, RAW é o certamente o responsável por transformar a Illuminati em fenômeno pop. Mandou bem. Afinal, o maior truque do diabo é fingir que não existe.
Buckminster Fuller, um cientista eminentemente inteligente, propôs que a fome mundial poderia e deveria ser abolida. Esse objetivo é racional, prático e desejável: por isso é denunciado como utópico, fantástico e absurdo.
Desejo propor um objetivo semelhante (racional, prático e desejável) que também será denunciado como utópico, fantástico e absurdo: SUGIRO UMA GUERRA MUNDIAL CONTRA A ESTUPIDEZ.
Embora o estúpido naturalmente se ressinta disso, dirijo minhas ideias àqueles que não são totalmente estúpidos, ou àqueles que não são estúpidos o tempo todo. Ou seja, àqueles raros indivíduos que têm momentos ocasionais de lucidez.
Embora não seja uma sátira, este planeta parece estar sendo controlado, e amplamente povoado, por pessoas que não são, em nenhum aspecto, homens e mulheres racionais. Voltaire poderia ter exagerado quando disse que a única maneira de entender o conceito matemático de infinito é contemplando a extensão da estupidez humana. A situação não está longe disso. Para mencionar alguns exemplos: Hitler assassinou seis milhões de judeus por “razões” totalmente insanas. O senador Joe McCarthy liderou uma louca caça aos comunistas, que destruiu a vida de muitas pessoas inocentes e não conseguiu descobrir um único comunista verdadeiro. Anita Bryant encabeçou uma cruzada antigay, oriunda no século 13.
Não é um exagero dizer que milhões de humanos foram assassinados ao longo da História por perseguições irracionais a bodes expiatórios. Como cada um de nós pertence a alguma minoria, qualquer um pode virar alvo da próxima caça às bruxas, e se eles nos queimarem, não haverá mais nada a preservar criogenicamente.
A estupidez também não é uma característica exclusiva do estúpido. Você não precisa de “vocação” para ela, como acontece naturalmente entre as pessoas que escolhem o sacerdócio. A estupidez parece ser um distúrbio sócio-semântico contagioso que afeta todos nós de vez em quando. Exemplos notórios disso podem ser encontrados na vida de “grandes figuras”, como Simon Newcombe (o astrônomo que descobriu Netuno), “provando” matematicamente que era impossível o voo de objetos mais pesados que o ar. Ou a Academia Francesa se recusando a examinar as evidências de meteoritos no século 18. Alguns podem incluir, como outro exemplo de estupidez, as tentativas contínuas de Einstein de refutar o elemento de acaso na mecânica quântica.
Thomas Kuhn, em “A Estrutura das Revoluções Científicas”, mostra a medida exata da extensão da estupidez entre pessoas instruídas: ele evidencia que toda revolução científica parece levar uma geração para ocorrer. Como Kuhn documenta amplamente, esse atraso de uma geração parece ser causado pelo fato de que cientistas mais velhos quase nunca aceitam um novo modelo, por melhor que ele seja. E a revolução só se realiza completamente quando uma nova geração, com menos preconceitos, compara e examina objetivamente os modelos novos e antigos, para determinar que o novo é mais útil.
Mas se a ciência, o paradigma da racionalidade, está infestada de burrice, o que podemos dizer da política, economia e religião? Intervalos de tempo de milhares de anos parecem ser normais nessas áreas.
Foi ao contemplar a história religiosa que Voltaire concluiu que a estupidez humana se aproximava do infinito. O estudo da política não é mais inspirador. E qualquer exame de debates entre economistas sugere fortemente que os teólogos da Idade das Trevas ainda estão entre nós.
Não desejo continuar com esse tópico, que foi amplamente discutido por Jonathan Swift e Mark Twain, entre outros. Vamos nos limitar a dizer que a estupidez assassinou e prendeu mais gênios, queimou mais livros, massacrou mais populações e bloqueou o progresso mais eficazmente do que qualquer outra força histórica. Talvez não seja exagerado dizer que a estupidez matou mais do que todas as doenças conhecidas pela medicina e psiquiatria.
Alguns remédios contra a estupidez já foram experimentados. Sócrates pensou tê-lo encontrada na dialética. Aristóteles, na lógica. Bacon, no método experimental. O século 18, na democracia e na alfabetização universais. Freud, na psicanálise. Korzybski, na Semântica Geral. Embora essas invenções tenham sido benéficas para alguns de nós por algum tempo, elas não conseguiram evitar as devastações globais cometidas pela ignorância. Aliás, nem sequer conseguiram abolir completamente as recaídas ocasionais de estupidez de praticantes mais exímios destas invenções (com o presente autor enfaticamente incluído). Nota do tradutor: nem dos colaboradores e leitores do RdB.
Caso fosse possível aumentar a inteligência, encontraríamos rapidamente soluções para diversos cenários apocalípticos que nos ameaçam:
– Por exemplo: caso fosse possível duplicar a inteligência de todos os cientistas que trabalham no problema de recursos energéticos, seria possível realizar em cinco anos o trabalho que levaria dez;
– Se a estupidez humana diminuísse, haveria menos oposição ao pensamento criativo e a novas abordagens para velhos problemas;
– Se a estupidez diminuísse, menos dinheiro seria gasto em imensas imbecilidades organizadas como guerras e mais recursos poderiam ser destinados a projetos que visam melhorar as condições de vida.
Os mesmos argumentos podem ser aplicados para outros projetos, como a abolição da fome e da pobreza e os programas que trabalham em descobrir curas de doenças. Tudo o que for racionalmente desejável pode ser alcançado mais rapidamente se a racionalidade aumentar. Isto é praticamente um pleonasmo, mas raramente levamos em conta o seu corolário: o trabalho para atingir um grau maior de inteligência é um trabalho para alcançar todos os nossos outros objetivos.
Embora a dialética, a lógica, o método experimental, a democracia, a alfabetização, a psicanálise, a Semântica Geral etc. não tenham impedido as pandemias de estupidez, elas certamente criaram forças contrárias: alguns enclaves de (relativa) racionalidade nos quais as pessoas funcionam com (relativamente) menos estupidez, em comparação ao que normalmente se verifica nesta espécie de primatas domesticados que chamamos de humanos. Nós sempre aprendemos algo com cada uma destas invenções. Aqueles que têm prática na dialética não serão enganados pela retórica vazia dos demagogos. A lógica protege alguns de nós das modas “intelectuais” (ou anti-intelectuais) mais absurdas. O método experimental nos mostrou como fugir das armadilhas da lógica abstrata e como associar a teoria à realidade.
A democracia e a alfabetização tornaram estas invenções pelo menos potencialmente disponíveis para as massas, embora continue sendo verdade que você pode levar os cavalos até o reino da sabedoria, mas você não pode fazê-los pensar. A psicologia nos mostrou que até mesmo o mais “racional” dos sujeitos pode ser dominado por pensamentos compulsivamente irracionais. A Semântica Geral revelou os reflexos neurolinguísticos que fazem com que seja tão difícil, aos humanos, abandonar um velho modelo e aceitar um novo, e ela oferece alguns truques que podem nos ajudar um pouco na quebra destes reflexos. Mas a psicologia avançou consideravelmente desde Freud. A psiconeurologia, desde Korzybski. E a Modificação do Comportamento, desde Pavlov.
O aumento da inteligência é desejável porque os problemas que confrontam a humanidade são diretamente causados e/ou consideravelmente piorados pela estupidez. Como a morte e a pobreza, ela está conosco há tanto tempo, que a maioria das pessoas não pode conceber a vida sem ela. Por mais que certos grupos (políticos, religiosos, publicitários etc.) lucrem com a estupidez, a humanidade lucrará muito mais com a abolição dela.
Devemos medir nosso progresso em direção aos nossos objetivos pessoais e à nossa contribuição para o progresso da humanidade, em termos de quão mais inteligentes ficamos no último ano, no último mês, na última semana, NA ÚLTIMA HORA.
Texto originalmente publicado no livro “Illuminati Papers”, de 1980.
Sobre o autor
Alguém da equipe escreveu, mas ficou com vergonha de assinar.