
O livro de receitas de Bond, James Bond
- 21 de maio de 2019
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O livro de receitas de Bond, James Bond
Por Ivan Lessa
Ninguém nunca viu o agente secreto com licença para matar traçando uma macarronada com carne de lagarto no boteco da esquina. Destruindo vilões e detonando engenhos nucleares, sim. Rabada com jiló, de jeito nenhum
James Bond todo mundo conhece. De filme, de livro. Ele, o 007. Aquele do com licença para matar: “Com licença, mas eu vou matá-lo, amizade”. Muitos o confundem com o ator escocês Sean Connery. Por este ter dito, em vários filmes, a partir de 1962 (aquele do Dr. No), com pesado sotaque dos bairros destituídos de Edimburgo, “O nome é Bond, James Bond”. Como se não estivesse seguro de sua identidade. Embora os filmes, sua franquia, tenham dado fortunas a muita gente boa, e má também, Bond, James Bond – comandante naval na hierarquia do serviço secreto britânico, mais ou menos feito aquele nosso comandante do Tropa de Elite, só que em lugares podres de chique e não podres de pobre – não vendeu o que os editores brasileiros esperavam. Coelho “O nome é Coelho, Paulo Coelho” vendeu muito, mas muito mais mesmo.
Segundo o lendário, foi John Fitzgerald Kennedy quem popularizou a figura, quando, em 1960, citou os livros de Ian Fleming, o escritor criador de Bond, James, como sua leitura predileta. Há muita lenda em torno da vida e da morte (principalmente da morte) de JFK. Dizem até que ele escreveu um livro (Perfis de Coragem) e leu mais de meia-dúzia de outros autores. Pouco provável.
O primeiro dos romances com Bond, James Bond, foi Casino Royale. Fleming escreveu uma penca depois que a coisa pegou. Alguns dos livros, dizem os bondianos, ficam muito acima dos filmes. Outros afirmam que é o contrário. O importante são correrias, engenhocas, vilões bizarros e mulher. Muita mulher. Mesmo. Boas todas. Bonérrimas. As Bond Girls. Bondinhas umas, Bondonas outras, em terras de Brasil, país aliás visitado por um dos Bonds camisa três de Sean Connery, o Roger Moore. Que tinha no erguer das sobrancelhas, uma de cada vez, o equivalente a todo um método Stanislavsky de interpretação.
O importante, neste espaço em que todos os 007 têm que caber (foram seis atores a interpretá-lo no celulóide até agora; rádio e televisão são outros 007s), 0042, portanto, é enumerar algumas das receitas prediletas do letal agente de Sua Majestade Britânica, homem do mundo, contra o mundo dos maus, a favor das boas mulheres, dos coquetéis caprichados e de pratos finos.
Nos filmes, Connery, Sean Connery, e Moore, Roger Moore, com aisance (não perguntem) pedem o martini na frase que já se tornou clássica: “shaken not stirred”, ou seja, “sacudido e não mexido”. Direitinho feito com milk shake de chocolate e mulher de cabelo vermelho. Nunca que ninguém os viu, nem aos dois nem aos outros Bonds (o australiano George Lazenby, o socialista Timothy Dalton, o irlandês Pierce Brosnan e o operário de construção civil Daniel Craig), traçando uma macarronada com carne de lagarto no boteco da esquina, para ficar num exemplo clássico bem nosso. Destruindo vilões detonadores de engenhos nucleares, sim; rabada com jiló, de jeito nenhum.
O erro de descontinuidade é reparado nas próximas linhas. Algumas receitas clássicas
Ovos mexidos Bond, James Bond
(Conforme o conto “007 em Nova York”. Palavra.)
Para quatro indivíduos individualistas.
12 ovos frescos
Sal e pimenta
1 submarino nuclear
180 gramas de manteiga
Quebrar os ovos (esses, não; os outros) numa tigela de bom tamanho
Bater bem com um garfo
Temperar com ervas finas
Levar ao fogo lento numa panela com fundo de cobre
Servir sobre torradas amanteigadas em pratos de cobre individuais
Devem ser saboreados com champanhe rosé, Taittinger, evidentemente
Vinil (e só vale vinil) de Astrud Gilberto ao fundo
Spaghetti à bolonhesa Bond, James Bond
(Segundo o romance “Thunderball”, ou “Ovos de Trovão”, como quase-quase se chamou entre nós)
Azeite de oliva (pode ser virgem)
1 cebola de bom tamanho bem picada
3 dentes de alho, picados assim-assim
1 lata (sim, lata) de tomates
3 fatias de bacon ou pancetta
1 borrifada de leite
2 cenouras raladas
1 colher de orégano
1 foguete espacial nuclear
2 folhas de louro (homem, não)
4 louras que façam barba,cabelo e bigode
1 copo de vinho tinto. Também pode ser branco
Queijo parmesão à vontade
Esquentar o azeite numa panela resistente, fritar o bacon ou a pancetta por alguns minutos. Acrescentar a cebola e o alho e deixar até que adquiram tons doirados (dourados, não; doi-ra-dos). Botar bife moído no esquema e rebolar, rebolar, rebolar, até que este adquira uma tonalidade marrom-Rembrandt. Juntar leite. Misturar tudo muito bem. Não sacudir de jeito nenhum. Aí então: tomates, purée(jamais pirão) de tomates, cenouras e ervas diversas. Levar o resultado a um liquidificador de marca conceituada ou inventada pelo bom “Q”, se é que sabem de quem estou falando. Sal e pimenta. Misturar o resultado. Tacar o vinho e por para ferver. Abaixar o fogo. Abrir fogo contra alguém. Deixar coberto em repouso por uma hora (prato e morto). Ir até a sala comer alguém. Caso necessário, acrescentar água. A tudo. Aí preparar o spaghetti conforme a praxe: 125 gramas por pessoa, cozinhar por cerca de 8 a 10 minutos até ficar al dente. Servir. Queijo parmesão à vontade.
Caipirinha Bond, James Bond
Nilzéia Anjélica “Anjinha” Correia de Alencar, 27 anos. Instrução: primário completo. 35 reais. Rua Visconde de Grajaúna, sem número, fundos (logo do lado daquele ómi das cabra), Sorocaba, São Paulo.
Bolinhos de batata-doce
(Esta receita é apócrifa e só deve ser preparada e servida para apócrifos)
Meio-quilo de batata-doce
1 colher de manteiga
1 ovo
2 gemas
1 metralhadora nuclear de repetição
1 xícara de leite
1 pitada de sal
6 colheres de sopa de farinha de trigo
Banha, muita banha
Cozinhar as batatas com casca. O ovo também. Manter a gema dentro do próprio ovo. Não deixar um espremedor chegar perto. Juntar tudo e levar a um fogo altíssimo. Temperar com sal e pimenta. Derramar numa travessa e, mesmo pelando (afinal de contas, tu é ou não é o 007?), fazer bolas do tamanho de um testículo do velho e querido “Q”. Passar na farinha. Dar uma cafungada na farinha que sobrar. Passar em ovos batidos. Por para fritar. Por para jambrar. Por, por, por. Servir num balde de prata cheio de martini doce. Sacudido e não mexido, claro, pombas! Deixar de lado e faturar seguro a Bond, James Bond, Girl, que, nua em pelo, o espera no leito com lençóis de seda e travesseiros estampados com malhas de tigre. Mandar brasa na moça sem olhar para o quadro do misterioso preto velho que, pitando da parede, a tudo espia (aqueles olhos mexeram, juro!) enquanto trama a conquista do mundo livre. Vem coisa aí.
(Texto publicado originalmente na PLAYBOY. PLAYBOY era uma revista, vocês não conhecem. O Ivan Lessa também não, mas a gente resolveu postar assim mesmo)
Sobre o autor
Alguém da equipe escreveu, mas ficou com vergonha de assinar.