

A inesquecível (e paradoxalmente esquecida) Eleonora V. Vorsky é nossa Agatha Christie.
Ou, para outros, nosso John le Carré.
Ou ainda nosso Ian Fleming de batom.
Não que Fleming dispensasse um batom – mas o criador de James Bond se limitava a passar em Golden Eye.
Ei, sem maldade.
Golden Eye era a vila de Fleming na Jamaica.
E também, é claro, o apelido de seu oríficio anal – conferido pelo panamenho que limpava a piscina de seu pied-à-terre, o local em que ele aplicava batom dourado todas às quintas feiras, enquanto tomava dry martini (PS1 – “shaken, not stirred“. O dry martini, não o batom) (PS2 – O local em que ele aplicava batom também não era a piscina. Você entendeu.) (PS3 – citation needed, como diz a Wikipédia. Eu ouvi esta estória de José Alvarez, o panamenho que limpava piscinas. Pode ser mentira.)
Sua magnum opus (a de Vorsky, não do Fleming) é “A Vingança do Bastardo”, obra publicada em episódios ansiosamente aguardados pelos inúmeros fãs entre 1984 e 1987, no finado jornal O Planeta Diário.
Talvez Vorsky nunca tenha alcançado o merecido reconhecimento por sua postura de não falar com a imprensa, como os reclusos J.D. Salinger, Thomas Pynchon e – mais recentemente – Elena Ferrante.
Ou talvez pelo fato de ela simplesmente não existir.
Vorsky é o pseudônimo de Alexandre Machado – o mesmo que, em dupla com sua esposa Fernanda Young, escreveu a série “Os Normais”, exibida originalmente pela Globo entre 2001 e 2003 (Fun Fact: Machado, como Vorsky, também não fala com repórteres)
“A Vingança do Bastardo” é um dos livros mais delirantes, sem noção e engraçados já publicados no país.
Editado duas vezes – a primeira em 1987 pelo Planeta Diário e a segunda em 2008, em versão ligeiramente higienizada, pela Editora Desiderata – o livro começa com Levy, o protagonista, preso e depois envolvido em uma estonteante espiral de acontecimentos, ao lado de sua prima Roshana (descrita como alguém cuja “sede de sexo só era comparável à sua vontade de dar”.)
Kowalsky, personagem “emprestado” da série “Viagem ao Fundo do Mar” e acrescido de uma jeba monumental (“para alguns, um erro monstruoso da natureza, para outros, uma dádiva de Deus” – conforme descrição do autor/a), convivia com personalidades como Simon Wiesenthal (o caçador de nazistas), Mike Nelson (o mergulhador interpretado por Lloyd Bridges no seriado Sea Hunt/ Aventura Submarina), Henry Kissinger, o paranormal Thomas Green Morton (este recepcionado por Roshana com a brilhante frase “Thomas? Thomas na bunda?”), o colunista Tutty Vasques, National Kid & os Detetives-Mirins, Anuar Kadhafi e Kurt Waldheim.
Parece um detalhe menor, mas não é.
Isso se reveste da maior importância, dado que o personagem interpretado pelo inacreditável ator Del Monroe em 98 episódios da magnífica “Voyage to the Bottom of the Sea” entre 1964 e 1968 nunca ganhou o destaque que merecia e era sempre ofuscado pelos canastrões Richard Basehart (como o Almirante Nelson) e David Hedison (o chatérrimo Capitão Lee Crane).
Com a “Vingança do Bastardo”, Kowalsky finalmente é catapultado para um merecido (ainda que tardio) protagonismo – mesmo que com evidentes violações das leis de copyright.
Del Monroe ficaria orgulhoso.
Talvez alguns destes personagens não sejam imediatamente reconhecíveis pelos millennials (Quem vai lembrar do “Rá!” energizante de Thomas Green Morton? Ou ainda de Kowalsky, mesmo que acrescido de uma caceta enorme?).
Mas o Google, o IMDB e o You Tube estão aí para isso mesmo.
Vasculhe os sebos.
“A Vingança do Bastardo” merece uma redescoberta – até porque, nestes tempos plúmbeos do politicamente correto, nestes dias de lacração onipresente, ele provavelmente nem seria publicado.
Renzo Mora é precursor do ventriloquismo em libras. A iniciativa segue em permanente aperfeiçoamento, dado que o boneco encobre a linguagem de sinais.