
Seis vezes em que o mundo acabou com uma risada
- 26 de março de 2020
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Seis vezes em que o mundo acabou com uma risada
por Luiz Emanuelli
Ninguém mandou o pessoal da sci-fi inventar distopias. É bizarro, mas uma delas deixou a ficção e virou realidade. Além de não ter graça, também não tem o que fazer (literalmente). Sim, o isolamento social pode ser um tédio e causar alucinações. Mas nesse momento bad trip, o RdB está de volta para te entreter, e enquanto o corona, os zumbis, a Bolsa e o dólar passam lá fora, junte-se aos seus novos amiguinhos imaginários e zere as nossas sugestões de fins de mundo que, pelo menos, são engraçadas.
Dr. Fantástico (Stanley Kubrick, 1964)
Por um triz a humanidade não acabou em 1962. Foi em outubro desse ano que os americanos descobriram que a ilha de Fidel (aka Cuba) estava apinhada de mísseis nucleares russos apontados para os EUA. Claro que, se acontecesse o ataque, o Tio Sam revidaria com uma saraivada de bombas ao Kremlin, e assim sucessivamente, até não sobrar mais nenhum humano, barata ou chinês. Essa tensão, conhecida por “Missile Scare”, deixou muita gente no mundo sofrendo com ansiedades, freadas e crises de pânico. O cineasta Stanley Kubrick era um desses. Kubrick ficou obcecado pelo assunto, leu dezenas de livros sobre e até pensou em se mudar para a Austrália (como se lá fosse possível sobreviver ao Armagedom nuclear). Foi aí que ele começou a bolar um filme sobre a situação extrema entre russos e americanos. As ideias, até então vagas, tomaram corpo depois que o cineasta leu o romance “Alerta Vermelho”, um livro sério sobre o iminente apocalipse nucelar e que acabou servindo de base para o filme que Kubrick cogitava fazer. Inicialmente, a fita teria a sobriedade do livro, mas ao elaborar o roteiro, o diretor percebeu a estupidez e o paradoxo da possibilidade de “destruição mútua” entre as hegemonias nucleares e resolveu que o filme tinha que ser uma comédia de humor negro. Afinal, só o humor poderia lidar com uma situação tão bizonha. Além desse acerto, outro trunfo de Kubrick foi o ator Peter Sellers, que interpretou três personagens impagáveis: o caricato presidente americano, o militar benevolente que quase salva a pátria e o cientista nazi Dr. Strangelove. Só por essas atuações, vale a pena você assistir ao filme (pelo menos duas vezes). O estopim da hecatombe é o surto de um general que determina que uma esquadra de B-52s fritem a Rússia sob o pretexto de que os comunistas conspiram para contaminar (pela fluoretação da água) os fluidos corporais dos americanos. Outros generais e o presidente dos EUA tomam ciência da situação e correm para frear o cataclismo. Aí começam as cenas mais hilárias entre os personagens mais histriônicos, em um dos cenários mais clássicos do cinema: a Sala de Guerra. O mundo vai ser salvo? Assista ao filme, e faça o favor de aproveitar a quarentena para ver qualquer outra coisa do Kubrick: um “Spartacus” vale mais que “300” de Esparta.
Idiocracy (Mike Judge, 2006)
Não olhe agora, mas a sua rede social acabou de ser inundada por mais um bolo fecal de comentários estúpidos. O pasmo diante disso é a reação natural de qualquer pessoa minimamente inteligente. E veja bem, se você é uma delas, tenho más notícias: a evolução humana não mais premia a inteligência, que foi a responsável por levar o homo sapiens até o cume da cadeia alimentar. Agora, sem um predador natural, o humano pode se reproduzir a torto e a direto. E olha o enrosco: quem se reproduz mais? O casal pós-doutorado, praticamente assexuado e preocupado com intelectualidades? Ou o idiota do seu vizinho semianalfabeto que passa o tempo enchendo a cara e espalhando esperma? Pois é, os genes do seu vizinho (assim como de outros idiotas) são os campeões da espécie. O resultado disso é o progressivo aumento da imbecilidade das próximas gerações e o consequente colapso da humanidade (fim do mundo). Essa é a premissa de “Idiocracy”, filme de comédia besteirol que fala de algo bem sério. Na fita, em 2005, o exército americano resolve fazer um dos seus típicos experimentos inúteis. No caso, hibernar o seu militar mais medíocre como representante da “média” dos potenciais humanos da época. Tempos depois, descongelariam o rapaz e fariam comparações e estudos de inteligência e capacidades. Mas o experimento dá errado e o medíocre fica lacrado até 2505, quando acidentalmente se descongela. Daí que descobrimos que o mediano de 2005 é o Einstein de 2505, ano em que a inteligência está rebaixada a níveis abissais. A diversão do filme é poder assistir, com a distância de espectador, ao cúmulo do comportamento estúpido de pessoas brutalmente idiotas. Mas o desgosto vem quando percebemos que o fenômeno da burrice galopante já está a pleno vapor.
Em Busca do Cálice Sagrado (Monty Python, 1975)
O assunto desse filme não é exatamente o fim do mar de sofrimento que é a vida no planeta do coronavírus. Mas, né? Qualquer desculpa para assistir a Monty Python é válida. A nossa é que ali no começo da fita, os cavaleiros (que buscam o Cálice Sagrado) adentram uma vila medieval saturada de gente morta pela peste negra. A peste negra, como qualquer não-bolsonarista sabe, foi uma das maiores pandemias apocalípticas pelas quais nossa racinha humana atravessou (e parece não ter aprendido nada). Para ter uma ideia, estima-se que um terço da população europeia foi dizimada pela doença causada basicamente pela precariedade sanitária da época. O mais curioso é que hoje em dia tem um monte de malucos que adoram cultuar a Idade Média, que além de não ter internet, banho de chuveiro e energia elétrica, também era assolada pelo obscurantismo da Igreja, pelas guerras territoriais infinitas e por um mau cheiro insuportável. E o filme do Monty Pynthon é ambientado nela para lembrarmos, com total irreverência e iconoclastia, que é bom conhecermos o passado, mas melhor ainda é deixá-lo por lá.
Watchmen (Alan Moore e Dave Gibbons, 1986)
Os formalismos, a abordagem “adulta” e a estrutura narrativa intricada dissimulam a grande tiração de sarro que é esse quadrinho. Nele, estamos em meados de 1980 e uma hecatombe nuclear será deflagrada pelo choque de forças entre EUA e URSS. Até aí, para quem já ouviu falar em Guerra Fria, nenhuma novidade. A novidade é que esse mundo (que emula os nossos anos 80) é cheio de heróis de carne e osso e, claro, nenhum superpoder. Afinal, em “Watchmen” o plano ficcional é um simulacro do nosso mundo aqui fora. A única exceção é o Dr. Manhattan, ex-físico nuclear que se tornou um superser equivalente ao deus demiurgo. Como? Entrando acidentalmente numa câmera ativa de campos intrínsecos. Pois é, você já ouviu história parecida, mas com raios gama, aranhas radioativas e experimentos científicos. E essa é uma das maiores piadas de “Watchem”: como uma obra pretensamente realista tem um personagem estrambólico que parece ter sido criado nos anos 60 por Stan e Kirby? Mas o Dr., um ser todo azul com tatuagem new age na testa, não é a única piada maldosa sobre os super-heróis americanos. Por exemplo: o equivalente ao Batman (ou Homem de Ferro) é um senhor de meia idade fora de forma, broxa e barrigudo, que escreve teses acadêmicos inúteis sobre corujas. Capitão América? Um psicopata, assassino e estuprador, que faz trabalhos escusos para o governo. O maior de todos os super-heróis, Superman, é satirizado pela própria figura do Dr. Manhattan: o que o primeiro tem de sensibilidade, o segundo tem de indiferença. Ah, sim, e tem o “herói” mais inteligente que coloca em prática o plano mais burro de todos…
Bíblia (Gênesis, Robert Crumb, 2009)
Temos provas do potencial cômico da Bíblia: é a versão engraçadíssima do Gênesis desenhada pelo tarado e neurótico, porém genial, Robert Crumb, cartunista que foi outsider entre os outsiders da contracultura americana. Além de uma banda meio chata de rock psicodélico, o Gênesis é o primeiro livro da Bíblia que trata, entre outras coisas supérfluas, da criação de tudo (o Big Bang na versão criacionista). Já o fim das coisas está no livro Apocalipse, mais especificamente no Dia do Juízo Final, quando, você sabe, os que frequentam a igreja vão pro Céu e os que frequentam o bar vão pro Inferno. Infelizmente, Crumb não nos legou também os cartuns desse final chato e óbvio – talvez porque ele tenha, diferente de Deus, penado horrores para fazer o Gênesis. Foi um trabalho extenuante de anos que envolveu leituras de traduções e estudos acadêmicos, pesquisas de inúmeras referências visuais e consultas a todo tipo de especialistas. Ou seja, o cara tinha estofo para produzir uma HQ que acabou desagradando tanto judeus quando cristãos, mas que é garantia de horas de diversão para quem tem senso de humor herege.
O Restaurante no Fim do Universo (Douglas Adams, 1980)
Nessa série (de livros), o fim do mundo é uma recorrência: primeiro na demolição da casa de um dos protagonistas (Arthur Dent), depois com a destruição da Terra e, então, com o fim do universo. A Terra, um planeta patético e desimportante no esquema cósmico, é desintegrada logo nos capítulos iniciais da saga por atrapalhar a construção de uma via intergaláctica edificada pelos tecnocratas Vogons, uma raça de alienígenas asquerosos, psicopatas e burocráticos, tipo político brasileiro. Mas é no segundo livro do “Guia do Mochileiro das Galáxias” que o fim do universo acontece, em local e tempo determinados. Tão determinados, que até um restaurante foi montado por lá. Dentro dele, a elite cósmica endinheirada (quem mais?) pode assistir de camarote ao fim de tudo e depois voltar tranquilamente para casa e continuar tocando suas vidas normalmente. Mas como? Veja bem, diferente dos humanos pouco evoluídos, várias raças alienígenas dominam a viagem espaço-temporal para qualquer época e canto do universo, do começo ao fim dele. Sobre o “Guia”, não me estenderei. Nosso chefe do RdB, Aran, já escreveu (mais e melhor) sobre o assunto: https://www.revistabula.com/16833-os-sete-livros-mais-importantes-que-eu-ja-li/
Sobre o autor
Alguém da equipe escreveu, mas ficou com vergonha de assinar.